Em São Paulo, investigadores que deveriam reprimir o tráfico são acusados de atuar como bandidos e tomar dinheiro das quadrilhas.
O homem acorrentado que aparece no vídeo faz um apelo em espanhol. Diz
que os sequestradores exigem cerca de R$ 600 mil para libertá-lo e que
os parentes estão desesperados: “Minha família chora muito”.
A polícia encontrou o vídeo no celular do boliviano Heber Escalante,
preso 20 dias atrás em Cáceres, Mato Grosso, quando tentava entrar no
Brasil pela Bolívia.
O telefone também armazenava fotos, que mostram muita droga e armas potentes.
Acusado de ser um dos principais fornecedores de drogas e armamento
para uma facção criminosa que age em São Paulo, o boliviano Escalante
tem um apelido no mundo do crime: Senhor das Armas.
Segundo as investigações, ele poderia estar na cadeia desde outubro de
2012. Mas policiais civis de São Paulo exigiram propina para não
prendê-lo.
‘Foi um golpe’, diz a Polícia Federal. E o esquema dos policiais
bandidos, segundo a PF, funcionava assim: Alexandre Lages é investigador
do Denarc, o Departamento de Combate ao Narcotráfico, em São Paulo. Ele
é acusado de fazer parte de uma quadrilha formada por policiais unidos a
traficantes. As investigações mostram que Alexandre se passava por
empresário interessado em comprar drogas. E que criminosos, geralmente
da Bolívia ou Colômbia, vinham ao Brasil fechar o negócio.
Heber Escalante, o Senhor das Armas, ficou hospedado em uma casa no
Guarujá, litoral de São Paulo, onde teria se comprometido a vender 700
quilos de cocaína para o grupo.
Segundo a Polícia Federal, assim que pegaram parte da droga, os
policiais corruptos se identificaram. E, em vez de prender o boliviano
em flagrante, pediram propina para deixá-lo sair livre. Por telefone,
uma mulher que diz ser testemunha do achaque conta o valor do acerto:
“Eles fizeram acerto, de R$ 2 milhões. Ele não é empresário. É a
Denarc”, diz.
Em fevereiro, a Polícia Federal acompanhou de perto outro golpe.
Segundo as investigações, Alexandre Lages fingiu, de novo, ser comprador
de cocaína. A entrega seria no estacionamento de um shopping, na
capital paulista.
Imagens mostram quando policiais abordam os ocupantes de um carro. Em seguida, todos vão embora.
Um dos policiais é Glauco Fernandes, que trabalhava na delegacia de
investigação sobre entorpecentes de Sorocaba, interior paulista. O outro
se chama Gustavo Gomes, do Denarc de São Paulo.
Segundo as investigações, havia 50 quilos de cocaína em um carro e 218 quilos em mais dois veículos: 83 em um e 135 em outro.
Por telefone, Gustavo e Alexandre mencionam esses números.
Alexandre: O carro está com 1-3-5.
Gustavo: Eu sei. Tem esses 8-3 mais os 50 que já estão aí.
Alexandre: Certo.
Gustavo: Eu sei. Tem esses 8-3 mais os 50 que já estão aí.
Alexandre: Certo.
Mas no boletim de ocorrência consta que foram apreendidos apenas 30
tijolos de cocaína, cerca de 38 quilos. O resto, diz a Polícia Federal,
foi dividido entre policiais e traficantes da quadrilha.
Três pessoas que foram contratadas para guardar e levar a droga até
eles acabaram presas. Mas, segundo a Polícia Federal, o mesmo não
aconteceu com os donos da cocaína.
As investigações mostram que a droga pertencia a dois traficantes
brasileiros, que caíram no golpe dos policiais. Os dois criminosos, diz a
Polícia Federal, não foram presos porque também pagaram propina. O
valor: R$ 500 mil. Eles ainda estão foragidos.
De acordo com as investigações, parte da droga negociada com esses dois
traficantes e que não foi apresentada na delegacia foi localizada dois
dias depois.
Eram 133 quilos, que estavam a caminho de Sorocaba. Na época da
apreensão, em fevereiro, foram presos em flagrante os policiais
Alexandre Lages, Glauco Fernandes e Michael Ruiz, também do Denarc.
Na tentativa de esconder outras provas do crime, Alexandre ligou para a
mulher: “Abre meu cofre. Tira tudo que tem dentro, bota em uma sacola.
Não queria saber o que tem porque isso não te interessa”, avisou.
A mulher do investigador obedeceu. Mas no mesmo dia, a Polícia Federal
fez buscas e encontrou dólares e 175 quilos de cocaína dentro de sacolas
que estavam no carro do casal e em um depósito do apartamento deles.
“Eles não trabalhavam com coisa pequena. Média de 200, 300 quilos de cocaína em cada situação dessa. Não foram uma ou duas não, foram várias”, declara Roberto Boreli Zuzi, delegado-chefe da Polícia Federal - Sorocaba.
“Eles não trabalhavam com coisa pequena. Média de 200, 300 quilos de cocaína em cada situação dessa. Não foram uma ou duas não, foram várias”, declara Roberto Boreli Zuzi, delegado-chefe da Polícia Federal - Sorocaba.
Quarta passada (20), mais quatro policiais do Denarc foram presos,
acusados de participar do golpe: Gustavo Gomes, Edson Melin e Mariano
Pino são investigadores. André Souza é o chefe deles. Os quatro alegam
inocência.
O advogado destes quatro policiais contesta as escutas telefônicas
feitas pela Polícia Federal: “É fácil a gente falar se você pegar a
parte editada da coisa. O Alexandre era um dos investigadores que
trabalhava na delegacia. Qual o vínculo dele com os outros quatro? Eu
não vejo. São coisas distintas”, diz Gilberto Vieira, advogado dos
quatro policiais.
O Fantástico também procurou a defesa dos três policiais presos em
fevereiro. Por telefone, o advogado de Alexandre Lages diz que o
inquérito não foi concluído, que desconhece o teor completo da
investigação e que, por isso, não vai se manifestar.
Já o de Glauco Fernandes afirmou que o policial é inocente e estava no
exercício de suas funções, que é prender traficantes e apreender drogas.
O defensor de Michael Ruiz não foi localizado.
O advogado de Heber Escalante, o Senhor das Armas, disse que ele nega
ser traficante e ter pago propina aos policiais. Alega ainda que o
celular, com as fotos e o vídeo de um seqüestro, foi comprado de uma
outra pessoa: “Existe uma espécie de mercado das pulgas, de compra e
venda de usados. E ele não se deu conta que aquilo já existia no
celular”, declara Hilton Tozetto.
“Ele realmente é um traficante, um vendedor de armas e aí é um outro
ponto da investigação que vai ser levantado de agora em diante”, diz
Roberto Boreli Zuzi, delegado-dhefe da Polícia Federal.
O vídeo já foi encaminhado à Interpol, a Organização Internacional de
Polícia Criminal. E quanto aos sete policiais acusados de corrupção:
“Esse grupo, realmente, está fora do mercado”, garante Roberto Boreli
Zuzi, delegado-chefe da Polícia Federal.
Fonte: G1
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